terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

2 Anos de Ausência do Poeta Antônio Sodré.

 Comentário: 2 Anos de Ausência 
 do Poeta Antônio Sodré.
                                               por Altair de Oliveira.
                              
O texto a seguir é um depoimento feito por mim, a pedido e gravado em mp3,  para que fosse lido durante uma homenagem que deve acontecer hoje (19/02/2013) em Cuiabá na praça da Feira da Mandioca, para lembrar 2 anos da morte do meu amigo, o poeta matogrossense Antônio Sodré. No evento seriam feito declamações de poemas dele, vídeos e depoimento. Porém, por motivos desconhecidos a mim, foi decidido que a homenagem se resumiria a um sarau de poesias com leituras de poemas do autor, o que tornou este depoimento desnecessário. No entanto eu decidi publicá-lo aqui  como texto para que pudesse ficar registrado como um documento, possivelmente  de valor histórico ou literário, que pudesse estar disponível na rede ao alcance de eventuais interessados, mas se esta minha pretensão não se efetivar, que pelo menos ele se constiua numa pequena homenagem que faço ao meu amigo. Saudades...


   ***


 Depoimento:  Meu Olhar 
 Sobre Antônio Sodré.
                                                por Altair de Oliveira.

"Agradeço aqui primeiramente a gentileza da Eduarda Esquiba pelo convite para vir a este encontro de homenagem ao poeta Antônio Sodré, de todos poetas, amigos  e admiradores que se reuniram para prestar esta homenagem ao nosso bardo, que aqui carinhosamente ouso chamar de nosso "Patinho Feio" e, em eu não podendo estar aí pessoalmente, que pudesse fazer aqui um breve relato de nossa amizade por cerca de 27 anos, principalmente em torno da poesia, onde apesar de eu ter morado a maior parte do tempo fora de Cuiabá,  nunca deixei de ter contato com ele . Este convite deve-se também ao fato de eu ter feito com o poeta a sua última entrevista, falando de si e da sua obra, para uma coluna de poesia que mantinha na revista universitária virtual “Contemporartes” de São Paulo.  Entendam que falo aqui das impressões que o poeta me passou nos inúmeros encontros e conversas que tivemos ao longo dos anos e é que é uma visão pessoal, entrecortada, parcial de tudo que ele foi ou possa ter sido. Espero que com isso possam ajudá-los a entender um pouco mais desta figurinha ímpar que, ao que me parece, veio ao mundo com o principal objetivo de tentar manter a poesia viva.

Bom, "Antônio Sodré" ou "El poeta de la transmutación y de la trancedencia", como ele gostava de ser chamado; Sodrezinho ou "poeta" como normalmente o chamavam, ou ainda "Tonho" e "Toinho"  como era chamado em casa, era uma pessoa simples e um grande sonhador, vindo de uma família modesta e com origens rurais e descendência nordestina, como a minha própria família o era, quem sabe se também isto nos ajudasse a ter esta simpatia e empatia mútua que sempre nos referenciou, além da própria poesia.
Conheci o Sodré quando entrei para a UFMT em 1985, retomando o meu curso de direito que estava interrompido, na época ele já era poeta e eu também. Eu já estava divulgando os meus poemas desde 1978, já havia morado em Dourados e em Goiânia, já editado um livro de poemas em 1982,  e já tinha uma certa experiência com os métodos da chamada poesia marginal.
Na época, entre as principais sensações culturais  na universidade, estavam pintor Adir Sodré, que era irmão do poeta,  e o grupo "Caxemir Bouquet", da qual o Sodré fazia parte. O Adir por uma certa ousadia nos traços e exuberância nas cores e o "Caxemir" devido ao sucesso de suas performances litero-musical e teatral, onde repaginavam os comportamentos das vanguardas do início do século XX com a estravazação e o desbunde pós-anistia do início dos anos 80 e,  nestas apresentações,  os participante do grupo mostravam as suas artes.


Na universidade, com apoio do CA de Direito e do DCE eu organizei uma exposição de poema cartaz e um varal de poesia e mural de poesia, cujo objetivo era tentar conhecer e reunir a moçada que escrevia poemas no campus  para mostrar seus trabalhos e tentar ressuscitar o panfleto "Rabicho"  que estava inativo. Neste trabalho eu pude contar com o apoio irrestrito do saudoso poeta Levi Alt, que também cursava direito e já tinha feito exposições  no CA com os seus próprios poemas. Conseguimos a participação de alunos de praticamente todos os cursos, mas o pessoal do grupo Caximir não participou. Porém no dia da exposição eles apareceram um pouco antes da exposição acabar, mas mantiveram-se a uma distância de cerca de  uns 15 metros e o Levi Alt me cutucou: "Olha o Caximir, olha o Caximir!" exclamando de dentro de seus óculos de fundo grosso de garrafa.  Eu não conhecia eles, ficaram lá na deles, vez em quando nos olhavam com o rabo de olho: "mas era um grupo grande de rapazes e moças bonitos e bem vestidos e com pinta de artistas! Uma moçada vistosa, eu pensei", e até brinquei com o Levi: "Estes caras vão bater na gente..."  O Levi deu uma risadinha nervosa e falou: "Será...?".


Pouco depois um deles veio em nossa direção: era o mais baixo deles, o mais feio, meio tímido, usava umas roupas mais comuns e disse que se chamava Antônio Sodré. Simpático, ele foi aos poucos querendo ver tudo, ler tudo, perguntando tudo. Eu via que o pessoal do grupo acenava para ele voltar, mas ele não voltou e, pouco a pouco eles foram se achegando também. Foi aí que pude conhecer os poetas Antônio Sodré e também o poeta Eduardo Ferreira. Percebi de imediato que o nosso Antônio Sodré gostava de ler e de discutir a poesia e, a partir daí, sempre que possível, a gente podia ser visto conversando na universidade ou nos bares próximos, às vezes em companhia também do Eduardo ou de algum outro artista, quase sempre falando sobre o prato de todos os dias: a poesia! Algumas vezes eu, que estudava à noite e trabalhava de dia, ia almoçar com ele no RU. E passamos também a discutir formas de divulgação de poesia, criar estratégias para que a poesia pudesse dominar a universidade, a cidade todo de Cuiabá, para, a partir daí dominar o mundo!  Mantivemos este hábito até o início de 1987, quando me mudei para Campo Grande, em 1988 fui para Curitiba.


A partir de então, toda vez que eu regressava à Cuiabá, o poeta era uma das primeiras pessoas que eu procurava para via de regra encontrá-lo para ir a um boteco tomar uma cerveja e conversar sobre poesia, ou também divulgar nossos poemas,  e passei a também procurá-lo em sua casa no bairro Pedregal. Em 1989, quando lancei o meu segundo livro ( Curtaversagem ou Vice-Versos) aqui em Cuiabá, o poeta esteve comigo em todos os cantos ajudando a divulgar. Neste aspecto, quando se tratava de divulgar a poesia sua ou de quem quer que fosse,  o poeta sempre foi solidário, animado e presente.  Lembrei-me aqui dum episódio que seria engraçado se não fosse triste, onde fomos a Cáceres a convite do poeta Levi Alt e de alguns professores da UNEMAT, também em companhia dos poetas Luiz Renato e Juliano Moreno, com o firme propósito de fazer lá no campus  uma exposição de poema-cartaz e declamações, e que quando chegamos na universidade a reitora havia contratado uma banda sertaneja para dar um show no exato horário de nossa apresentação,  somente para  boicotar o nosso sarau de poesia! Várias vezes tentei convidar o poeta para ir a Curitiba nos visitar ou passar uma temporada lá, mas ele sempre tinha uma desculpa para não ir, até que uma vez ele confessou que não tinha boas lembranças da cidade devido a uma vez  em que fora na, década de 80, juntamente com o grupo Caximir fazer uma apresentação no teatro de Bolso da praça Rui Barbosa, e que não tivera uma boa experiência. Informamos-lhe que o teatro de Bolso não existia mais, que havia sido consumido pelo fogo numa noite de inverno... Mesmo assim ele não foi! 
Nos meados da década de 90 eu estreitei mais a minha amizade com a pintora Vitória Basaia  e sua família, especialmente porque o seu filho mais velho Juliano Moreno havia se tornado poeta,  e passei também a visitá-la em sua casa na Várzea Grande, sempre quando vinha a Cuiabá. Senti que o poeta parecia sentir-se enciumado toda vez que eu ia visitar a pintora, por isso falei com ela perguntando se eu poderia levá-lo comigo  quando fosse visitá-la . Com esta pergunta ela ficou eufórica, pois disse que era uma grande fã dele, e até me recitou poemas dele para comprovar. Desde então, sempre que podia, eu levava o poeta junto comigo quando ia visitar a pintora. Recordo-me aqui  de uma vez em que ele não foi, a cara de decepção que ela fez quando eu cheguei lá e ela não viu-o comigo e foi logo dizendo: "Ué, cadê o Sodré...?"


Estas minhas visitas à casa do poeta para vê-lo toda vez que eu vinha a Cuiabá já eram quase religiosas, por isso passei a conhecer praticamente toda a família dele, inclusive o pintor Adir Sodré, figura pela qual sempre nutri grande admiração e que posteriormente veio a tornar-se também meu amigo e fez até a capa de um de meus livros. Com a morte do poeta, confesso que tenho meio que perdido o rebolado toda vez que venho a Cuiabá, já não tenho mais à pessoa para quem eu mostrava meus poemas inacabados, ou até mesmo o impasse deles.  Lembro-me  que o Sodré sempre fazia questão de ter algum poema novo  para me mostrar. Mesmo assim sempre que posso vou a casa de dona Joaquina para ver como eles estão. Eles normalmente estão bem, mas o poeta já não está mais lá para  eu perguntar  também como ele está. Mas deve estar bem, eu acabo pensando,  ele deve estar com seu bem!


Sobre a vida prática, à sua sobrevivência financeira no mundo, eu penso que ele nunca soube lidar bem com isto. Parecia inapto, incapaz e incompatível em assumir grandes responsabilidades de adquirir dinheiro para a sua própria sobrevivência. Só a poesia parecia estar o tempo todo entre seus grandes interesses. Frequentou a  universidade em 3 cursos:  história, letras e música, mas em nenhum destes ele seguiu carreira.  Fez algumas músicas, principalmente nos anos em que participou do Caximir, mas nunca tentou uma carreira na música.  Teve alguns empregos temporários,  mas que acabou deixando-os pouco tempo depois. Fez trabalhos “free lanceres”, participou de projetos e vendeu livro, mas tudo muito informal. Trabalhou na infância e adolescência na mercearia do pai, mas depois disso sempre procurou um modo de viver meio que na dependência de sua própria família. O dinheiro que ganhava quase que sempre era gasto em suas próprias despesas pessoais. Chegou a comprar um terreno a prestação e pagá-lo e documentá-lo certinho e também cogitou várias vezes a ir morar sozinho mas sempre sem muita convicção. Vendeu livros usados na universidade durante muitos anos, primeiramente trabalhando para os amigos, depois assumindo o próprio negócio. Foi daí que ele tirou o dinheiro para ir pagando o terreno.


Eu creio que o poeta nunca teve grandes ambições com a sua poesia, no sentido de fazer sucesso e tentar viver dela, de ganhar grandes prêmios, grandes título ou reconhecimento. Se as teve elas devem ter sido esmagadas durante o exercício da própria poesia. Devia saber de antemão que quem vive de poetas é a poesia, não contrário!  Gostava muito de ler e de escrever, atividades nas quais ele procurava ser criterioso e manter a autocrítica cada vez mais acurada. Mas não tinha grandes preocupações em publicar o que escrevia. Seus próprios livros vieram a ser publicados mais por intervenção de seus amigos e do irmão Adir Sodré, que sempre foi um grande fã seu, do que pela seu próprio esforço.


Quando o entrevistei, alguns meses antes de sua morte, eu perguntei-lhe se estava escrevendo um novo livro e ele disse que sim, mas que ainda não tinha uma data prevista para terminá-lo ou publicá-lo. Pedi então que me fornecesse um poema inédito,  e ele foi buscar um caderno onde havia alguns poucos poemas prontos, de onde escolhemos e copiamos um para ser publicado juntamente na matéria. Recentemente, falando com o poeta Luiz Renato em Curitiba eu me espantei em saber que ele encontrara entre as coisas deixadas pelo Sodré 3 livros de poemas prontos!  Poderia vir daí uma explicação pelo fato de sabermos que ele sempre escreveu muito e publicou muito pouco. Talvez o nosso poeta tivesse escondido o leite da poesia por muito tempo!


Em relação à vida amorosa do Sodré eu nunca soube que ele tivesse tido de verdade uma namorada , uma amante, uma “ficante”, uma esposa. Soube sim que ele teve várias grandes paixões, normalmente impossíveis, utópicas, ora mulheres muito mais ricas que ele ora muito mais jovens, ou ainda mulheres que não se interessavam por homens e até mesmo religiosas. Eram musas mesmo, angariadas do sonho para servirem-lhe de combustível à poesia, pescadas com o seu devaneio e imaginação no poço sem fundo da solidão... Às vezes por pura ironia ele tinha arroubos de machismo e se declarava seriamente empenhado em conseguir uma mulher rica, bonita, culta e sensível que financiasse a sua empresa poética. Ou se apaixonava mesmo por uma caloura, ainda adolescente que lhe dedicasse alguma simpatia, carinho ou atenção. Aí escrevia poeminhas dedicados à ela, muitas vezes escrito na hora. Poemas estes que hoje podem muito bem , se amados, terem sido ampliados e emoldurados e estarem hoje decorando uma sala de estar, ou podem simplesmente terem sido amassados, atirados no primeiro cesto de lixo encontrado. Nunca conheci a namorada ou a mulher da vida do Sodré,  mas sempre suspeitei que ela se chamasse Poesia!


Lembro-me aqui de que às vezes as pessoas diziam dele: “O Sodré!? Um poeta muito louco!” Louco no sentido positivo da coisa, o sentido que alguns poetas adoram ser chamados, e que tem até uma musiquinha bem bonita da década de 70 e um ditado popular que recomenda isto: “poeta louco!” Mas o Sodré não era louco, ele era poeta. Poeta são poetas e loucos são loucos! Louco é quem leva uma vida totalmente desprovida de poesia, isto sim...  Muito embora um médico uma vez o tenha internado como louco pelo fato do poeta ter ameaçado chibatá-lo com um cinto, o Sodré era só poeta. Um poeta só, é verdade! Mas ele era só um poeta louco pela Poesia!


Sobre a obra do poeta, numa linha geral, já que me é impossível tentar fazer uma análise da produção poética do Antônio Sodré, mesmo porque eu não a conheço toda, eu diria que ela é lúdica, lírica, libertária, combativa, debochada, concisa e diversificada. Uma poesia fácil de ser entendida, e poesia tem que ser entendida mesmo, ainda que num nível sensorial a poesia precisa ser entendida para que possa tocar o leitor. Poesia que não toca, dança! Estas características da poesia sodreliana eu já podia observar desde o livro “Besta Poética”, o que é natural porque são marcas da “Poesia Marginal” que vigorou nos nossos meios literário nos anos 60, 70 e perduraram na década de 80 e ainda hoje são usadas. Portanto ele foi um poeta do seu tempo!


Como ele mesmo repete em seus poemas, e eu mesmo pude diversas vezes comprovar enquanto estive com ele, o Sodré foi um grande sonhador que amava olhar as nuvens e falar sobre poesia e poemas. Poetas normalmente não gostam de discutir poesia, principalmente se a discussão é sobre os poemas que eles próprios escreveram, mas o Sodré era incomum. Vários foram os poemas meus que acabei mudando por uma ou outra observação dele e, tenho certeza, ele também mudou alguns poemas dele por observações minhas.


Se isto nos tornou poetas ou pessoas melhores é quase impossível de dizer. Mas pelo menos eu aqui hoje, que sou um cara com cara de poucos amigos e que embora não estando pessoalmente aí, não posso dizer que não estou nem aí... Tenho ganas de querer aparecer de repente aí procurando o poeta, como normalmente tenho feito quando a cada vez que vou a Cuiabá e não o  tenho encontrando (ele tem se feito difícil hoje em dia...) vou querer também exclamar, como ouvi  a nossa amiga Vitória Basaia um dia fazer, “Ué, cadê o Sodré!”. Mas pensando bem, vou fazer nada disso não... Vou apenas olhar para cima para, por um momento ainda, ver um cisne branco de nuvem brilhante deslizar no céu de Cuiabá!


***

Altair de Oliveira, 51, poeta, nascido em Panorama-SP, foi criado no Paraná e morou 10 anos  no Centro-oeste (Dourados, Goiânia, Cuiabá e Campo Grande),  desde 1988 vive em Curitiba-PR, escreveu os seguintes livros de poemas: Fases (1982), Curtaversagem ou Vice-Versos (1988), O Embebedário Diverso (1996), O Lento Alento (2008) e A Grande Coisa, inédito e que deve ser publicado em 2013.


***

Dois Poemas de Antônio sodré:


a manhã


N manhã que se esvai
Meu coração está nadando em dor.

Lograr felicidade é o que mais desejo:
o calor vai auentando.
E meu corpo transbordando em suor!

Luto contra o desespero
Buscando pacificar meu ser;
Guerreiro sou de mim mesmo
Lutando sem lutar...

Não almejo vitórias
E, tudo que mais quero
É estar em paz
Com o que me rodeia...

   ***

Sonhos Tantos Tontos Sonhos


os sonhos sonhei-os todos
num sonhar desesperado
até me perder sonhando
imerso no meu passado

recordações ilusórias
quimeras imagens tolas
gravadas no inconsciente
"pra" no presente repô-las!

suscitou-me pesadelos
assanhando meus cabelos
oh! era melhor não vê-los
soaram em vão meus apelos!

mas tem sonhos tão gostosos
dá vontade de comê-los
suaves voos de aves
caravanas de camelos
tansportando em seus alforjes
doces, balas, caramelos!

futuando...  flutuando... flutuando...

feito espuma colorida
que chego a pensar que a vida
é um sonho em movimento.


Poemas de Antônio Sodré, In: "Empório Literário, Versos Diversos".

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

O Vivente não morreu!



Comentário: 
"O Vivente não morreu!"
                                                     por Altair de Oliveira


O poema a seguir parece ter sido feito meramente para explicar a angústia de quem vive, de quem é presa da vida e sonha viver livre dentro dela. Mas a resposta pode ser ainda mais simples, o poeta pode apenas ter tentado buscar desculpas para enfrentar o seu próprio medo da morte.  Religiosos e fideístas poderiam argutamente dizer "oras é simplesmente alguém tentanto encontrar o seu Deus e sua salvação!", mas seriam aqui suposições, pois o poema não trata disto.  Antes de buscar uma saída gloriosa ou até mesmo conquistar uma posição de distinção de destaque na vida, o poema cisma e cisca nas limitações humanas e parece nos tentar dizer que por mais que se acredite ou se dite, não há mesmo como ir muito além de seu próximo e graduar-se  em poderes, ou entendimentos, ou imortalidades, ou ainda autoeleger-se um Deus ou Semi-Deus.

Levantado de uma imagem provocada pelo soneto "Caravelas", de Florbela Espanca, a ideia do poema caminhou comigo por mais de 10 anos  até que, no ano passado, sabendo que o Prêmio Literário OFF-FLIP, de Parati, "daria" com parte da prêmiação a hospedagem aos 3 primeiros lugares de cada categoria e de seus companhantes, e vendo ali a oportunidade única para um poeta desempregado como eu participar de tão sonhada festa literária, eu decidi compor o poema para participar do concurso.  Na verdade eu acreditava mesmo que tinha chances de papar uma das 3 cadeiras premiadas na mesa da festa de Parati, por isso me tranquei por 2 semanas em casa para escrever o poema e me esforcei para juntar os quase 80 reais que o prêmio exigia para o aspirante a premiado inscrever-se.  O poema consta de 6 estrofes de 6 versos, fechadas em si mesmas. Cada uma destas estrofes tem um ritmo próprio, o  que sugere um cenário próprio ou ainda uma tentativa diferente de se esquivar da morte, esta características  as tornam independentes e permitem que sejam lidas em separado, sem grandes perdas de significação.  Espero e conto com que vocês possam curtir o poema.

Quanto o resultado do concurso literário OFF-FLIP do ano passado, o poema "O Vivente" infelizmente não conseguiu passar da primeira fase da classificação, onde os 20 melhores seriam selecionados,  e foi eliminado pelo jurí.  Mas, felizmente,  como seu próprio nome  bem diz, ele não morreu, faz parte de meu quinto livro de poemas "A Grande Coisa", que deverá ser editado no segundo semestre de 2013!
    ***

O Poema:


O VIVENTE



 - I -

Se encontra à meia vida já vencida
Reconta as magras contas conquistadas
Se espanta ante a soma conseguida:
um nada mediante a tão sonhada!
Assombra até as sombras mais chegadas
tentando vislumbrar uma saída.

 - II -

Sua história, que era  vívida, se transforma
e, aos poucos,  toma forma de vivida.
O antigo jovem a ele se deforma
e o que vira predador vira comida.
Vê que a vida a ele dada se conforma
em certo dia ser ao nada devolvida.

  - III -

Na rua a multidão de gente só
o vence a solidão que lhe povoa.
Mas segue o seu destino e anda à toa
fingindo procurar lugar melhor,
um lar onde rechace o  que magoa
e disfarce aquele olhar de fazer dó!

 - IV-

Retém-se ante um bar onde festejam
e espreita toda a vida que lateja,
que beija, e ri, e come,  e canta, e dança
sem lamentar queimar a própria vela.
Espera, e quem espera sempre alcança,
ou cansa de esperar...  e  desespera.

 - V -

Resiste nesta tarde que lhe passa
com ar de quem insiste alguma graça
e evita perceber o que se passa:
que não existe mesmo o que lhe basta,
que gasta ainda o ar que ainda o gasta
e que a morte que levita  não afasta!

 - VI -

Temente de não ser senhor de nada,
exuma uma alegria abreviada
e cria a sua auto-anestesia.
Alegre, alí no meio da manada,
assume ser "contente de fachada"
e esquece a mesma dor todos os  dias!


 
Poema de Altair de Oliveira - IN: "A Grande Coisa."